O que é ser médico hoje? Um desfile de moda? Um exercício de egocentrismo?
Entre em um hospital particular e você verá um número enorme de mulheres de cabelo escovado, unhas longas, salto alto. Não são clientes, são médicas. Onde foram parar as roupas brancas e os sapatos rasos? Saíram de moda? Quando há uma emergência, elas correm pelos corredores com aqueles sapatos? [Se bem que, como bem frisou meu pai, o único lugar em que se pode ver médico com pressa para atender é em filmes.] Os homens são mais discretos, mas nem por isso deixam de adorar o indefectível jalecão branco com um bordado no bolso: Dr. Fulano. Como gostam do apêndice ao nome! Eles se apresentam assim, Bom dia. Eu sou o Doutor Fulano. Que fofo!
Não que as roupas importem realmente. Se o trabalho for bom, quem vai se importar com o que veste o senhor doutor? Eu é que não.
O problema é que...
Cada vez mais os pacientes têm que aturar a má-vontade, a expressão de tédio profundo e o olhar de suprema onipotência com que são observados pelos deuses da saúde. É como se eles não estivessem lá para atender doentes. [Eu tenho uma médica na família que dia desses estava fula da vida porque, durante o seu plantão num hospital público, apareciam pessoas procurando atendimento de madrugada e ela queria poder dormir!]
Ah, e antes que eu me esqueça, um conselho: não ouse fazer perguntas sobre a sua doença ou tratamento; não ouse ser proativo e opinar. Ao paciente cabe ouvir o que o senhor doutor quiser falar, e acatar, porque os médicos estudaram muito e tudo sabem.
Tem também a questão do relógio, totalmente ignorada. Meu grande desafio atual é descobrir um médico que atenda no horário em que eu marco a consulta, porque todos os que eu conheço me deixam plantada na sala de espera por horas, como se eu não tivesse uma vida fora do consultório. A solução é só marcar consultas nas férias, mesmo que o caso requeira maiores cuidados. De repente, pode-se ter a sorte de melhorar com auto-medicação e nem será necessário perder preciosas horas lendo revistas do ano de 1996.
Não há quem me faça pensar diferente: certas profissões são
missões. Porque lidar com vidas humanas não é como lidar com cimento e pedras. É o caso do magistério, como disse a Alexandra
neste texto, e da medicina, dentre outros. Quem não está à altura dessa responsabilidade deve procurar outros ofícios.
Se você tiver intimidade com um desses seres superiores, pergunte-lhe por que tantos médicos agem com tamanho desrespeito. Você vai ouvir os seguintes argumentos para justificar a displicência: que eles ganham mal, que os planos de saúde pagam pouco pela consulta, que trabalham horas demais, que os pacientes são histéricos e procuram atendimento sem motivo, blá, blá, blá. E você pode até concordar com isso tudo, mas aí você pára para pensar e se pergunta: Ué, mas quando eles decidiram cursar medicina, as condições já não eram essas?